Terá sido um fenómeno astronómico ou meteorológico? Natural ou uma fuga às leis da física? Um acontecimento do foro psiquiátrico? Algumas teorias que podem explicar o "milagre do Sol".
O que é que as pessoas viram?
Cerca de 70 mil pessoas dizem ter visto, na Cova da Iria a 13 de outubro de 1917, um comportamento anormal do Sol que desafiava as leis da física. Um dos testemunhos mais pormenorizados ficaram registados na Documentação Crítica de Fátima, uma seleção de documentos que datam de entre 1917 e 1930. Para entender se existe algum fundo científico nos alegados acontecimentos na Cova da Iria, é preciso recordar um dos relatos mais precisos: o de José Maria de Almeida Garrett.
José Almeida Garrett era professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra quando assistiu ao fenómeno em Fátima. A 18 de dezembro de 1917, escreveu uma carta onde diz “relatar de uma maneira breve e concisa, sem frases que velem a verdade”, o que testemunhou a 13 de outubro de 1917, o dia em que os três pastorinhos tinham dito que a Virgem Maria voltaria a aparecer. “Devia ser uma e meia quando se ergueu, no local preciso onde estavam as crianças, uma coluna de fumo, delgada, ténue e azulada que subiu direita até dois metros, talvez, acima das cabeças para nesta altura se esvair”. O dia estava chuvoso, garantia o professor, mas “o sol momentos antes tinha rompido ovante, a densa camada de nuvens que o tivera escondido, para brilhar clara e intensamente. Voltei-me para este íman que atraía todos os olhares e pude vê-lo semelhante a um disco de bordo nítido e aresta viva luminosa e luzente mas sem magoar”.
Para José Ameida Garrett, o fenómeno não se podia comparar à Lua porque “não era como a lua esférica e não tinha a mesma tonalidade nem os claros-escuros. Parecia uma rodela brunida cortada no nácar de uma concha”. E também não se podia comparar ao Sol em dia de nevoeiro, porque “não era opaco, difuso e velado. Em Fátima tinha luz e calor e desenhava-se nítido e com a borda cortada em aresta como uma tabela de jogo”. O professor garantia ainda que este registo “não é uma comparação banal de poesia barata”. E continuava: “Os meus olhos viram assim. As nuvens que corriam ligeiras de poente para oriente não empanavam a luz (que não feria) do Sol dando a impressão facilmente compreensível e explicável de passar por detrás, mas, por vezes, esses flocos, que vinham brancos, pareciam tomar, deslizando ante o Sol, uma tonalidade rosa ou azul diáfana”.
A maior parte dos testemunhos são consistentes em três aspetos: que o Sol parecia girar em torno do seu próprio eixo ; que a estrela parecia mover-se “como que dentro de uma caixa”; e que mudava de cores, alterando a perceção das mesmas na superfície terrestre também. Isso mesmo é espelhado no documento de José Ameida Garrett: “Este fenómeno com duas breves interrupções em que o sol bravio arremessou os seus raios mais coruscantes e refulgentes, e que obrigaram a desviar o olhar, devia ter durado cerca de dez minutos. Este disco nacarado tinha a vertigem do movimento. Não era a cintilação de um astro em plena vida. Girava sobre si mesmo numa velocidade arrebatada. De repente ouve-se um clamor como que um grito de angústia de todo aquele povo. O sol, conservando a celeridade da sua rotação, destaca-se do firmamento e sanguíneo avança sobre a terra ameaçando esmagar-nos com o peso da sua ígnea e ingente mó. São segundos de impressão terrífica. Durante o acidente solar, que detalhadamente tenho vindo a descrever, houve na atmosfera coloridos cambiantes”.
Como é que esses fenómenos se podem explicar?
Na Documentação Crítica de Fátima, pode ler-se uma carta do matemático Gonçalo de Almeida Garrett (pai de José Maria) ao padre Manuel Nunes Formigão que investigou o fenóemno e interrogou os pastorinhos entre outras testemunhas. Nessa carta, diz que os fenómenos solares não são “astronómicos do Sol propriamente dito, mas sim meteorológicos da atmosfera da Terra sobre a imagem solar, quanto à cor e aspeto do brilho semelhante à lua, e também quanto à vista da rotação”.
Ao Observador, Carlos Fiolhais disse que “já lá vai o tempo em que Ciência a religião tentavam explicar-se uma à outra”: “Religião e ciência são duas dimensões do ser humano que podem coexistir, como mostram não só o caso de Galileu como o do padre Lemaitre e tantos outros”. O físico teórico, num artigo sobre “a ciência de Deus e a fé dos cientistas”, explica que “a ciência não tem a ilusão de responder a todas as questões. Só pode responder às questões para as quais, com método científico, fundado na lógica, na observação e na experiência, funciona. A ciência não consegue, e provavelmente não vai responder nunca, sou cauteloso, à questão sobre o que aconteceu antes do Big Bang, se é que houve um antes”. Mas será que esta é uma questão para a qual podemos encontrar respostas?
Há cem anos que os cientistas tentam encontrar fundo científico em alguns fenómenos que a religião interpreta como milagrosos. Conheça aqui em baixo algumas teorias para o que aconteceu na Cova da Iria.
Gravidade
Em termos científicos, alguns especialistas lembram que o movimento giratório do Sol parece ser algo previsto pelas leis da Natureza, embora não de forma tão percetível como alegadamente foi relatado em Fátima.
As estrelas formam-se quando uma nuvem densa de gases colapsa graças à força gravítica. A nuvem, que é como um berço, forma o chamado disco protoplanetário, que dará mais tarde origem à estrela e aos planetas que gravitam em seu redor. No centro do disco, que se encontra em rotação, formar-se-á a proto-estrela, também ela em movimento giratório. Graças à lei da conservação do momento angular, esse movimento de rotação mantém-se inalterado a não ser que sofra uma intervenção externa que o acelere ou abrande. É por isso que o Sol, tal como todos os planetas que orbitam em redor dele, giram em torno do próprio eixo. A nossa estrela tem uma rotação que equivale, no equador, a vinte e cinco dias terrestres com algumas variações: quanto maior a altitude, mais lenta é a rotação; e, como uma estrela não é sólida, também não gira de forma uniforme em todo o corpo celeste.
Assim como o Sol foi visto “a girar” em Fátima, também há quem diga tê-lo visto “a dançar” pelo céu. De acordo um programa criado pelo astrónomo Carsten A. Arnholm, esse fenómeno pode ser explicável. O centro de gravidade do Sistema Solar não corresponde necessariamente ao centro de gravidade da estrela que o protagoniza: ele é determinado pelas massas dos corpos celestes que o compõem e pelas posições que ocupam a cada momento. Ora, tal como acontece com os planetas, o Sol não está parado: além do movimento de rotação, também tem um movimento de translação e orbita o centro de massa do Sistema Solar. Como esse centro de massa muda sempre que os planetas realizam os seus movimentos de translação, a órbita do Sol também está em constante mudança. Em termos práticos, o que significa isto? Que, quanto mais perto o centro de massa do Sol e o centro de massa do Sistema Solar estiverem, menor será o movimento da nossa estrela; mas quanto mais afastados estiverem, maior será a amplitude desse movimento solar. O que pode ter acontecido a 13 de outubro de 1917.
Poeira estratosférica
A poeira estratosférica é o conjunto de partículas que pairam na camada atmosférica logo acima da mais próxima à superfície terrestre. Em outubro de 1989, no Journal of Meteorology, o cientista escocês Steuart Campbell escreveu que uma nuvem de poeira estratosférica alterou a aparência do Sol, fazendo com que fosse muito mais fácil olhar para o astro. De acordo com os relatórios estudados por Steuart Campbell, o Sol parecia ser amarelo, azul e violeta e parecia estar a girar em torno de um eixo. Seis anos antes, um fenómeno parecido foi reportado na China: o Sol parecia mais avermelhado e azulado do que o normal e parecia girar no céu. Terá aontecido também em 1917?
Síndrome de Jerusalém
Trata-se de um fenómeno mental em que indivíduos saudáveis, independentemente das suas crenças religiosas, passam por ilusões ou experiências psicóticas de fundo religioso ao visitar espaços de adoração. Foi identificado pela primeira vez nos anos trinta pelo psiquiatra israelita Heinz Herman, mas comportamentos semelhantes já tinham sido relatados na Idade Média, nas biografias do monge dominicano Félix Fabri e da cristã inglesa Margery Kempe. De acordo com os documentos de Bar-El et al., lançados em 2000, a síndrome de Jerusalém revela-se de três modos diferentes: o tipo I é relativo a pessoas que já tenham tido episódios psicóticos anteriormente; o tipo II refere-se a pessoas que têm um historial de distúrbios de personalidade; e o tipo III é associado a pessoas sem qualquer registo de distúrbio mental ou de personalidade anterior. No entanto, nenhum desses tipos prevê alucinação visual ou auditiva.
Parélio
O parélio é um fenómeno meteorológico provocado pela interação da luz solar com os cristais de gelo suspensos na atmosfera em nuvens do tipo cirros. Embora sejam mais visíveis quando o Sol está próximo ao horizonte, os parélios costumam aparecer como luzes coloridas e aos pares (um em cada lado do Sol), à mesma elevação que o Sol ocupa no céu. Esta explicação para o que aconteceu no dia 13 de outubro de 1917, em Fátima, foi sugerida pela primeira vez por Joe Nickell, autor do livro “The Science of Miracle”: ele explica que os três pastorinhos não podem ter visto de facto o Sol, porque “o fenómeno terá acontecido num azimute” que não podia corresponder à estrela.
A hipótese do parélio não explica que o Sol tenha dançado, conforme os registos de 1917, porque este fenómeno meteorológico é estacionário. Para justificar esse alegado comportamento do Sol, Joe Nickell sugere que o astro tenha parecido mover-se por causa de uma distorção da retina temporária dos observadores, causada por terem olhando longamente para uma luz tão intensa. Para fugir à luz, o cérebro obriga os olhos a moverem-se para a esquerda e para a direita. As imagens que os olhos captam são então interpretadas uma a seguir à outra pelo cérebro, criando a ilusão de movimento.
Tempestade solar
Quando falamos de tempestade solar, podemos referirmo-nos a quatro eventos: erupções solares, ejecções de massa coronal, tempestades geomagnéticas ou a um evento de protões solares. Vamos por partes.
As erupções solares são explosões na superfície do Sol que ocorrem quando há mudanças bruscas no seu campo magnético. A estrela liberta grandes quantidades de energia eletromagnética quando uma porção dela, armazenada em campos magnéticos por cima das manchas solares, explode. O Sol irradia desde ondas rádio até raios gama, além de luz visível e de partículas de plasma. A par das erupções solares podem surgir ejecções de massa coronal: são grandes erupções de gás ionizado a alta temperatura vindo da coroa solar. À superfície atingem até 1,5 milhões de graus Celsius e formam um arco que, ao arrefecer, chocam com a superfície a 100 quilómetros por segundo.
Essa emissão de partículas também pode ser justificada por tempestades geomagnéticas, perturbações que surgem na magnetosfera terrestre provocadas, por uma onda de choque com origem no vento solar. Quando o vento solar chega ao campo magnético da Terra há um aumento de plasma (partículas ionizadas) a circular na magnetosfera e, por consequência, há também um aumento da corrente elétrica na ionosfera e magnetosfera da Terra. A partir da superfície, esse aumento de partículas de plasma podem ser vistas na forma de auroras. Pode ter sido isso o que o povo da Cova da Iria viu em 1917, já que estes fenómenos são cíclicos.
O que diz o Papa?
O papa Francisco pediu esta sexta-feira que se ultrapassem “posições fechadas” perante as descobertas científicas e aconselhou a aceitá-las com “humildade”, apontando que alguns assuntos têm particular interesse para a Igreja: “Há que nunca ter medo da verdade nem permanecer em posições fechadas, mas sim aceitar as novidades das descobertas científicas com uma atitude de total humildade”, disse durante um encontro no Observatório Astronómico do Vaticano.
Para defender a sua posição, o Sumo Pontífice recordou o exemplo do belga George Lemaitre, que “no seu duplo papel de sacerdote católico e de cosmólogo, numa incessante tensão criativa entre ciência e fé, sempre defendeu lucidamente a distinção metodológica entre os campos da ciência e da teologia”. E prossegue: “É claro que estes temas têm particular relevância para a ciência, a filosofia, a teologia e também para a vida espiritual. Representam uma ‘arena’ em que estas disciplinas coincidiram e, por vezes, chocaram”, disse Jorge Bergoglio.
Mas para o papa Francisco, algo é certo: “A existência e a inteligibilidade do universo não são fruto do caos e do acaso, mas sim da sabedoria divina”.
fonte: Observador