A nova espécie de carnívoro já parecida com os mamíferos VOLTAIRE PAES NETO
A nova espécie comparada com um gato doméstico VOLTAIRE PAES NETO
O maxilar foi encontrado há 30 anos no Rio Grande do Sul. Agora percebeu-se que é mesmo uma nova espécie.
Decorria o ano de 1988 quando dois padres caçadores de fósseis encontraram um fragmento de um maxilar no município de Vale Verde, no Rio Grande do Sul, Brasil. Daniel Cargnin (1930-2002) e Abraão Cargnin (1930-2006) eram irmãos gémeos e paleontólogos amadores. O fóssil acabou por ser levado para o Museu Daniel Cargnin, na pequena localidade de Mata, no Rio Grande do Sul, onde esteve vários anos em exibição e foi já classificado como um cinodonte – grupo que há cerca de 220 a 230 milhões de anos deu origem aos mamíferos.
Agora voltou a ser motivo de atenção dos paleontólogos profissionais, que perceberam que, afinal, se tratava de uma nova espécie de cinodonte carnívoro: a Aleodon cromptoni. Em vez de cinodonte herbívoro, de espécie indeterminada, era um apreciador de carne
.Para se identificar uma nova espécie há que ter uma comparação e o artigo científico na revista Plos One mostra isso mesmo. São vários os maxilares analisados e descritos ao longo do trabalho. Agustín Martinelli, paleontólogo da Universidade Federal do Rio Grande e principal autor deste trabalho, diz ao PÚBLICO que, ao todo, foram analisados dez exemplares da nova espécie (com diferentes graus de preservação) e de crânios, mandíbulas e dentes de muitos outros cinodontes do período do Triásico Médio e do Superior da zona do Rio Grande do Sul.
Muitos deles eram da família Chiniquodontidae (répteis carnívoros que viveram durante o Triásico Superior e que já se assemelhavam a mamíferos) e tinham semelhanças morfológicas com o Chiniquodon (cinodonte carnívoro do Triásico Médio na América do Sul). Também foram comparados com uma espécie africana do género Aleodon, a Aleodon brachyrhamphus. “Revimos todo o material dos cinodontes e encontrámos mais exemplares deste estranho cinodonte, já conhecido no Triásico em África.”
E o caminho desta nova espécie foi mesmo pelos trilhos do Aleodon. Este é um género de cinodonte não mamífero, membro do grupo dos cinodontes carnívoros. “Contudo, a sua dentição adaptava-se aos omnívoros ou herbívoros”, avisa Agustín Martinelli. Estes são animais com um crânio robusto e caninos grandes, mas os molariformes (que têm forma de dente molar) são mais adaptados à vegetação. O género “Aleodon” foi descrito pela primeira vez em fósseis da Namíbia e da Tanzânia, de acordo com um comunicado da Plos One.
Ligação entre a América do Sul e África
Voltemos ao maxilar encontrado pelos irmãos Cargnin, foi o que deu um forte contributo para a identificação da nova espécie. “Foi o mais importante porque foi o primeiro exemplar reconhecido dentro da colecção paleontológica, que é consideravelmente diferente de outros cinodontes na América do Sul”, revela Agustín Martinelli. O fóssil é constituído pela parte direita do maxilar com um canino partido e os primeiros sete pós-caninos.
No final, os cientistas concluíram então que havia uma nova espécie dentro do género Aleodon e que se chamaria Aleodon cromptoni, em homenagem a Alfred Crompton, que descreveu pela primeira vez este género. Este fóssil faz também parte da família Chiniquodontidae. Quanto a diferenças dentro do mesmo género, o Aleodon cromptoni diferencia-se do Aleodon brachyrhamphus (que viveu na Tanzânia, por exemplo) por ter pós-caninos inferiores e superiores e o seu crânio é maior.
Como já temos as peças do puzzle, imaginemos agora todo o corpo do Aleodon cromptoni. No Triásico Superior, há cerca de 235 a 209 milhões de anos, um réptil já parecido com um mamífero vivia no lugar que agora conhecemos por Brasil. Tinha o tamanho de um puma e convivia com dinossauros, os arcossauros, e talvez já com pequenos mamíferos.
“Isto mostra que antes da origem dos mamíferos houve cinodontes extremamente diferentes, com adaptações ecológicas distintas. A nova espécie também revela a primeira ocorrência do Aleodon na América do Sul”, realça Agustín Martinelli. Além disso, como tem semelhanças com a espécie Aleodon brachyrhamphus de África, pode haver outras relações: “Pelo Triásico Médio e Superior, as semelhanças da fauna entre África e a América do Sul são bem visíveis. Encontrar um Aleodon na América do Sul acrescenta uma nova taxonomia partilhada em ambos os territórios. Isto ajuda-nos a correlacionar as rochas triásicas da Tanzânia e da Namíbia com o Brasil”, explica o paleontólogo.
E assim se “desenterrou” uma nova espécie graças às dentuças deste réptil que mais se parece com um mamífero.
fonte: Público