Uma nova espécie de lagostim, fruto de uma mutação genética natural, está a crescer muito rapidamente e a expandir-se por vários ecossistemas europeus. Um grupo de cientistas teme que o nascer desta espécie possa significar o fim de outras
O lagostim-mármore surgiu há cerca de 25 anos, estima-se, na Alemanha. Ficou com este nome dada a sua aparência semelhante à pedra homónima, resultado da mutação que sofreu. E não fui uma mutação qualquer. Este novo lagostim desenvolveu uma capacidade muito rara no mundo animal: a capacidade de se clonar a si mesmo.
Bastou a mutação de um único espécime de lagostim comum para que, de um momento para o outro a nova espécie fosse criada.
Esta capacidade de auto-clonagem permitiu-lhe uma rápida expansão por vários ecossistemas, na Europa e fora dela.
Nos últimos cinco anos, Frank Lyko, biólogo do German Cancer Research Center, e a sua equipa, têm estudado o lagostim mármore. Lyko conta que a espécie ganhou popularidade na década de 90 entre criadores de lagostins amadores alemães, e que os primeiros relatos da sua existência tenham partido de um destes criadores.
Certo dia, um criador não identificado terá comprado um lagostim-mármore e reparado que este punha mais ovos do que o normal – sem nunca sequer ter acasalado com um parceiro. E mais do que isso, os ovos aparentavam estar fecundados e deles nasciam novos lagostins, todos fêmeas.
Este padrão de comportamento era repetido pela nova geração, e assim sucessivamente. "As pessoas começavam com um só animal e, passado um ano, tinham várias centenas", explica Lyko.
Muitos donos acabaram por abandonar grande parte dos animais em lagos, onde estes acabavam por se multiplicar e criar pequenas populações selvagens, capazes inclusive de se deslocar vários quilómetros para chegar a novos lagos e novas zonas para popular.
A espécie expandiu-se para a República Checa, a Hungria, a Croácia e a Ucrânia, tendo com o tempo chegado ao Japão e a Madagáscar. Estima-se que a espécie tenha chegado a Madagáscar em 2007 e que se tenha multiplicado de tal forma que, hoje em dia, ameaça as espécies de lagostins nativas, relata o New York Times.
Em 2003, um grupo de cientistas concluiu que o lagostim-mármore estaria, de facto, a clonar-se. E com base neste estudo, Lyko e a sua equipa sequenciaram o ADN de vários espécimes, na tentativa de entender melhor o processo.
Concluíram que o lagostim-mármore terá evoluído de uma outra espécie de lagostim, de nome científico Procambarus fallax, natural do rio Satilla na Georgia, EUA.
Os dois espécimes de Procambarus fallax acasalaram, sendo que um deles – o macho ou a fêmea - tinha uma mutação nas células sexuais. Cada célula sexual possui uma cópia de cada cromossoma (X e Y), mas a célula mutante teria duas cópias.
De alguma forma não compreendida ainda pelos cientistas, as células sexuais juntaram-se e produziram um lagostim fêmea com três cópias de cada cromossoma, mas sem nenhuma deficiência associada a este excesso de ADN.
Em vez de se reproduzir sexualmente, este lagostim desenvolveu a capacidade de induzir os próprios ovos a formar embriões - tudo a partir do seu próprio material genético.
Desta forma, os embriões resultantes tinham um ADN idêntico à progenitora, ou seja, eram clones desta: todos fêmea, férteis e com a mesma capacidade de se clonar.
Vários estudos defendem que as espécies de reprodução assexuada crescem rapidamente, mas nãoduram muito tempo:
Ter o mesmo código genético significa ser afetado pelas mesmas doenças da mesma forma. Por outras palavras, se surgisse uma doença que se revelasse fatal para um lagostim-mármore, seria fatal para todos e a espécie acabaria por se extinguir.
Em Dezembro do ano passado, Lyko declarou o lagostim mármore como uma espécie própria, de nome científico Procambarus virginalis. Ele e a sua equipa estimam que a espécie tenha tido origem na Alemanha, de onde vieram os seus primeiros relatos, visto não existirem populações de lagostim mármore nos EUA.
O estudo publicado na revista científica Nature Ecology and Evolution demonstra a rapidez com que o lagostim mármore se expandiu para Madagáscar em menos de uma década. Os cientistas temem que a nova espécie se torne uma praga em vários ecossistemas e que possa levar ao declínio da fauna natural dos habitats.
fonte: Visão