Estela de xisto que esteve 35 anos guardada volta a ser exposta, agora no Museu da Escrita do Sudoeste de Almodôvar.
São sinais enigmáticos, o que significam é um mistério ainda por desvendar, mas uma certeza existe: aquela é a primeira escrita nascida na Península Ibérica, entre há 2700 e 2500 anos. Há menos de cem caracteres gravados nesta laje de xisto, a estela do Monte Novo do Visconde, que está em exposição desde sexta- feira em Almodôvar, Alentejo, no Museu da Escrita do Sudoeste.
Esta escrita pré- românica deve o nome à área da península onde existe a maior concentração destas lajes gravadas, entre Ourique e Loulé, na zona de transição montanhosa entre o Alentejo e o Algarve. Só que ainda não se encontrou a sua Pedra de Roseta - a chave para a sua decifração. Com 95 centímetros de altura, por 34 de largura e 22 de espessura, a estela do Monte Novo do Visconde foi encontrada em 1979 em Casével, na região de Castro Verde, e entregue ao arqueólogo Caetano de Mello Beirão, que depois es-
A maior parte dos signos são importados da grafia fenícia cavou o local do achado, onde encontrou ainda os restos de uma antiga necrópole, com cerca de 2500 anos, da I Idade do Ferro no Sudoeste da península.
Em 1980, a peça integrou uma exposição temporária no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa, após o que recolheu ao acervo do Centro de Arqueologia em Ourique, onde esteve desde então. Agora, 35 anos depois da sua última exposição pública, a estela pode de novo ser visitada, agora em Almodôvar, no museu local dedicado à tal escrita misteriosa e ao povo que a inventou. "É importante que as pessoas possam voltar a ver esta estela", diz Samuel Melro, arqueólogo da Direção Regional da Cultura do Alentejo, e um estudioso destas peças. Além de isso ser "um fator de dinamização do próprio museu [ de Almodôvar]", como sublinha, esta estela tem uma "particularidade interessante": ela é a peça deste tipo encontrada mais a norte no contexto geográfico das populações ibéricas da I Idade do Ferro que criaram a enigmática escrita.
O arqueólogo Rui Cortes, que esteve ligado à criação do Museu da Escrita do Sudoeste, em 2007, e continua a colaborar com a instituição, concorda. "A ideia é também divulgar este tema, levá- lo ao público, e fomentar mais estudos sobre estas peças e os seus textos", afirma. Uma herança fenícia Mas que escrita é esta, afinal, ainda por cima a primeira inventada na Península Ibérica? "É uma herdeira da escrita fenícia", explica o arqueólogo e professor da Faculdade de Letras de Lisboa Amílcar Guerra, e o responsável pelos conteúdos científicos do Museu da Escrita do Sudoeste. "A maior parte dos signos que usa são importados diretamente da grafia fenícia e depois há um pequeno conjunto que foi criado pelos seus inventores, num total de 27 símbolos." No contacto com os fenícios, que aqui vieram fazer os seus comércios, os locais ter- se- ão apercebido das vantagens de passar algumas coisas a escrito e acabaram por adaptar à sua própria língua os símbolos da grafia estrangeira.
O problema é que, embora se consigam ler foneticamente - à exceção dos caracteres que não foram importados do fenício e que não se sabe que sons representariam -, não é possível compreender o seu significado, porque a língua que eles transcrevem é desconhecida. "Não sabemos a que correspondem os símbolos", explica Amílcar Correia. "Ainda não se encontrou a Pedra de Roseta para esta língua", resume - com um texto escrito em três idiomas diferentes, o grego, o demótico e os hieróglifos do egípcio antigo, a Pedra de Roseta foi a chave para a decifração do terceiro, o dos hieróglifos, abrindo a porta ao conhecimento da civilização e da cultura do Antigo Egito.
John Koch, um linguista da Universidade de Gales, no Reino Unido Unido, tem defendido que a língua grafada pela Escrita do Sudoeste pertenceria ao grupo das célticas, falada por populações celtas, na altura fixadas na região. Mas a verdade é que não há certezas. O que se sabe, sublinha Amílcar Guerra, é que "essa língua desapareceu, com a romanização da Península", iniciada há cerca de 2200 anos. Por isso, esta escrita ibérica que lhe correspondia também não subsistiu mais de 200 a 300 anos.
Seja como for, chegaram até nós quase uma centena de estelas. Os arqueólogos supõem que os curtos textos nelas gravados poderão ser inscrições funerárias, porque, tal como aconteceu com a estela do Monte Novo do Visconde, a maioria das peças conhecidas foi encontrada em escavações de necrópoles com 2300 a 2700 anos. Mais clara parece ser a correspondência de alguns grupos de signos a certos nomes latinos que foram de uso comum nesta região, como Pilegus, Boutius ou Aibuiris.
fonte: Diário de Noticias