Esqueleto de um neandertal encontrado em Israel em 1983 com elementos anatómicos bem preservados
Equipa de cientistas reconstituiu a três dimensões a caixa torácica de um neandertal. A parte inferior do tórax destes humanos era mais larga do que a dos humanos modernos.
Pela primeira vez, uma equipa internacional de cientistas conseguiu fazer uma reconstituição virtual completa da caixa torácica de um neandertal. Este trabalho foi feito a partir de um fóssil encontrado em Israel de um indivíduo que morreu há cerca de 60 mil anos. Esta nova reconstituição – publicada na revista científica Nature Communications – sugere que a morfologia do tórax e o mecanismo respiratório dos neandertais e dos humanos modernos (a nossa espécie) eram significativamente diferentes.
Os neandertais são um grupo de humanos que surgiu há cerca de 400 mil anos e viveu na Europa e no Médio Oriente. Acabou por desaparecer há cerca de 28 mil anos. Neste tempo, sobreviveram a períodos glaciares e interglaciares.
E como eram eles anatomicamente? “Embora certas partes anatómicas sejam muito conhecidas, outras, como a coluna vertebral e as costelas, são menos conhecidas porque os seus elementos são mais frágeis e não se preservam tão bem no registo fóssil”, refere-se num comunicado sobre o trabalho.
Contudo, em 1983 foi descoberto na gruta de Kebara (no Monte Carmelo, em Israel) um esqueleto parcial de um neandertal. Era um jovem adulto e que tinha morrido há entre 59 mil e 64 mil anos. Quando foi encontrado, chamaram-lhe Kebara 2 e deram-lhe a alcunha de Moshe. “Embora este esqueleto não conserve o crânio (provavelmente como consequência de um ritual neandertal), preserva maravilhosamente todas as vértebras e costelas, assim como outras partes anatomicamente frágeis como a pélvis e o osso hióide”, lê-se no mesmo comunicado.
Há dois anos, uma equipa de investigadores fez uma reconstituição da coluna do Kebara 2 – que actualmente está na Universidade de Telavive, em Israel – e sugeriu que os neandertais tinham uma coluna mais direita do que os humanos modernos, que é mais encurvada. Agora, o mesmo grupo de cientistas fez a reconstituição a três dimensões do tórax do mesmo esqueleto.
Dependentes do diafragma
Para tal, usaram observações directas do esqueleto do Kebara 2 e tomografias computorizadas das vértebras, costelas e ossos ilíacos, assim como um programa de desenho a três dimensões. Compararam ainda as imagens de ossos desse neandertal com exames médicos de ossos de homens adultos modernos.
“[O tórax do neandertal e do homem moderno] é muito semelhante porque pertencem a grupos de humanos que evoluíram de forma muito próxima”, começa por dizer ao PÚBLICO Asier Gómez-Olivencia, da Universidade do País Basco (Espanha) e autor principal do trabalho.
Mas se o tórax do Kebara 2 é parecido com o dos humanos modernos relativamente ao tamanho, ambos diferem na morfologia. A parte inferior do tórax dos neandertais é mais larga do que a dos humanos modernos. A coluna vertebral encontra-se mais no interior do tórax, o que daria mais estabilidade aos neandertais. Já as costelas destes humanos são um pouco mais horizontais (em vez de mais encurvadas) do que as nossas.
Reconstituição a três dimensões do tórax do neandertal
“Sugerimos ainda que o mecanismo respiratório fosse um pouco diferente, dependendo mais do diafragma [do que aquilo que acontece nos humanos modernos]”, indica Asier Gómez-Olivencia. “A parte inferior do tórax mais larga e a orientação das costelas sugerem que os neandertais dependiam mais do seu diafragma para respirar [do que nós]”, diz por sua vez Ella Been, da Universidade de Telavive e outra das autoras do estudo. “Pelo contrário, os humanos modernos dependem tanto do diafragma como da expansão da caixa torácica para respirar.”
Podem estas diferenças entre os neandertais e os humanos modernos ser uma vantagem ou uma desvantagem? “Como a coluna [dos neandertais] também era mais vertical poderia ser uma vantagem para o transporte de carga, mas também poderia aumentar a possibilidade de certo tipo de lesões”, responde Asier Gómez-Olivencia. “Mas, no caso do tórax, consideramos que eram apenas diferentes, nenhum era melhor nem pior, eram apenas diferentes.”
Num comunicado da Universidade de Washington (Estados Unidos) – que tem cientistas que participaram neste trabalho –, Asier Gómez-Olivencia ainda considera: “A forma do tórax é a chave para compreendermos como os neandertais se movimentavam no seu ambiente porque nos informa sobre a sua respiração e equilíbrio.” Já Patricia Kramer, da Universidade de Washington e também autora do trabalho, destaca nesse mesmo comunicado: “Os neandertais estão muito próximos de nós e tiveram adaptações culturais muito parecidas com as dos humanos modernos, mas a sua forma física é diferente da nossa em aspectos importantes. Compreender as suas adaptações permite-nos perceber melhor o nosso caminho evolutivo.”
Mas, quanto ao facto de as características do tórax dos neandertais poderem ter tido influência na sua extinção ou sobrevivência, Asier Gómez-Olivencia refere que não tem dados para responder a esta questão. Agora, a equipa quer continuar a reconstituir o modelo completo do Kebara 2. Quer também investigar se havia diferenças entre sexos na morfologia do tórax dos neandertais.
fonte: Público