Esqueleto da mulher que teve leucemia M. FRANCKEN/ UNIVERSIDADE DE TÜBINGEN
Restos mortais de uma mulher encontrados num cemitério na Alemanha.
Um esqueleto desenterrado num cemitério neolítico em 1982 foi agora diagnosticado como o mais antigo caso de leucemia conhecido. O que fez parte do corpo de uma mulher há 7000 anos é hoje um exemplar na Colecção Osteológica da Universidade de Tübingen, na Alemanha, a instituição da equipa que realizou o estudo.
O cemitério de Stuttgart-Mühlhausen, uma região no Sul da Alemanha, foi local de escavações entre os anos 1982 e 1993 e onde se encontraram, além deste esqueleto de uma mulher neolítica, restos mortais de outros indivíduos que viveram na mesma época. Quando morreu, a mulher teria entre 30 a 40 anos, segundo contam os seus ossos, e sofria, além da leucemia que lhe terá roubado a vida, de uma inflamação nos alvéolos dos dentes e de cáries dentárias.
“Examinámos vários ossos do esqueleto com o sistema de tomografia computorizada de alta resolução e encontrámos uma perda invulgar do tecido interior do osso – o osso esponjoso – na parte de cima do úmero direito [o osso que vai do ombro ao cotovelo] e no esterno”, diz num comunicado de imprensa Heike Scherf, co-autora do estudo da Universidade de Tübingen em conjunto com Joachim Wahl, e que apresentou este ano os resultados do seu trabalho na Conferência de Medicina Evolucionária, em Zurique, na Suíça.
No interior de ossos como o úmero ou o esterno, os analisados pela equipa, localiza-se a medula óssea, local onde as células estaminais hematopoiéticas produzem células sanguíneas, e onde surge também a leucemia. Mas estas estruturas não sobreviveram a 7000 anos. “A medula óssea não foi preservada, portanto analisámos a estrutura interna do osso, o osso esponjoso”, explica ao PÚBLICO Heike Scherf. “As zonas centrais do osso esponjoso do úmero e do esterno da mulher em questão apresentavam um desgaste incomum.”
E foi esta característica que levou os investigadores a colocar a hipótese da leucemia. Para confirmarem a suspeita de que algo estava errado, ou menos saudável, os cientistas compararam o úmero da mulher doente com o de outros 11 indivíduos contemporâneos e do mesmo grupo etário dela, também sepultados no cemitério de Stuttgart-Mühlhausen. “Nenhum dos outros espécimes mostrou um padrão igual, mesmo pertencendo ao mesmo local e ao mesmo grupo etário”, diz Heike Scherf.
Depois disto, a partir de um diagnóstico diferencial em que se excluíram outras possíveis doenças com os mesmos sintomas, os investigadores concluíram que a mulher neolítica teria muito provavelmente uma leucemia. “A idade biológica e a restrição dos achados ao úmero e esterno contra-indicaram a osteoporose. O hiperparatiroidismo, o excessivo funcionamento das glândulas paratiróides, pode ser descartado por causa das características típicas desta patologia, que se manifesta noutras partes do esqueleto, como o crânio e os ossos dos dedos das mãos, que não foram encontrados”, explica Heike Scherf.
Apesar de não poderem determinar rigorosamente o que se passou com aquela mulher há 7000 anos, a investigadora sublinha a grande probabilidade do diagnóstico estar certo: “Um vírus associado a um tipo de leucemia tinha sido já encontrado nas múmias dos Andes [a maior parte com cerca de 500 anos]. Mas este é provavelmente o caso mais antigo conhecido de leucemia, num achado arqueológico.”
Quando o esqueleto foi desenterrado em Stuttgart-Mühlhausen, encontraram-se também outros 72 túmulos nesse cemitério neolítico do sul da Alemanha. A mulher em questão estava ao lado de um jarro de fundo redondo, típico da cultura da cerâmica linear que surgiu entre 5500 e 4800 a.C. na Europa Central e Ocidental.
Sobre a descoberta, o director do Instituto de Medicina Evolucionária da Universidade de Zurique, Frank Rühli, e que não participou no estudo, sublinha ainda ao “site” Discovery News o seu interesse para a compreensão da doença: “Ter a indicação do mais antigo caso paleopatológico de uma doença moderna, frequente e com um grande impacto como é a leucemia, é algo muito importante para olharmos pela perspectiva da evolução da doença.”
fonte: Público