Ilustração do campo magnético da Terra MICHAEL OSADCIW/UNIVERSIDADE DE ROCHESTER
A descoberta pode ser importante para o estudo do início da vida no nosso planeta.
O campo magnético da Terra é afinal muito mais velho do que se pensava: 4400 milhões de anos é o tempo que agora se lhe atribui, segundo os resultados de um estudo liderado pelo geofísico John Tarduno, da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos. A descoberta vem ainda sugerir um início precoce da tectónica de placas, questão para a qual ainda não há um consenso científico.
Desde 2010 que se aceitavam os 3450 milhões de anos para a idade do campo magnético estimados por John Tarduno. Mas o novo estudo publicado na última revista Science, pelo mesmo cientista, vem corrigir os dados anteriores.
As provas estavam dentro de pequenos cristais de zircão. Este mineral recolhido em Jack Hills, na Austrália, continha, no seu interior, grãos microscópicos de magnetite, que guardavam informação direccional sobre o campo magnético. Os cristais de zircão, retirados de um antigo depósito sedimentário, formaram-se há mais de 1000 milhões de anos, mas apresentam entre si datas de formação diferentes. É a partir deste facto que se torna possível ler a história que carregam.
Para medir a sua magnetização, a equipa de John Tarduno usou o dispositivo supercondutor de interferência quântica, um magnetómetro dez vezes mais sensível que qualquer outro existente. Se a magnetite tiver permanecido inalterada desde a sua formação, os resultados serão rigorosos. Em determinadas condições, como o período de grande aumento de temperatura (atingiu cerca de 475 graus Celsius) nas rochas de Jack Hills há 2600 milhões de anos, a informação magnética armazenada na magnetite pode ser apagada ou substituída por outra nova diferente.
“Sabemos que os cristais de zircão não foram movimentados uns em relação a outros desde o tempo em que se depositaram”, diz John Tarduno, em comunicado de imprensa da sua universidade. “Como resultado, se a informação magnética no zircão tivesse sido apagada ou substituída, as direcções magnéticas ali guardadas seriam todas iguais.”
Mas não foi isto que aconteceu. Ao analisar os grãos de magnetite, o investigador percebeu que estes registavam diferentes direcções magnéticas, e indicavam uma antiguidade de 4000 milhões de anos, idade que agora se pensa ser a do campo magnético da Terra. O Sol e o resto do sistema solar começaram a formar-se, num disco de gases e poeiras, há cerca de 5000 milhões de anos.
As medições de intensidade trouxeram ainda novos dados sobre o geodínamo presente no interior da Terra. O dínamo funciona através de um mecanismo que consiste em movimentos de rotação e convecção de um fluido condutor de electricidade, o ferro líquido no interior da Terra, gerando-se assim um campo magnético. Na ausência deste geodínamo, seria também possível existir um campo magnético criado pela interacção da atmosfera com os ventos solares – a emissão de partículas carregadas provenientes do Sol, que causam fenómenos como as auroras boreais, ou as caudas cometárias (a sua orientação é definida pela direcção do vento solar).
Mas o que levou os cientistas a perceber que a tectónica de placas teria também uma idade superior à que se supunha, e sobre a qual não existe ainda um consenso científico, foram os valores da densidade do campo magnético encontrados. Quando é apenas o vento solar responsável pela existência de um campo magnético, a densidade não poderá ultrapassar 0,6 microteslas. Mas os cristais de zircão com registos de há 4400 milhões de anos contavam outra história. A densidade era superior a 0,6 microteslas, o que supõe a existência de um geodínamo e implica também a existência da tectónica de placas.
Do núcleo terrestre às placas
E que relação tem o geodínamo com a tectónica de placas? O movimento das placas tectónicas é o que irá permitir a libertação do calor do interior da Terra, possibilitando o funcionamento do geodínamo e, consequentemente, a formação do campo magnético terrestre. Por um lado, é o movimento de convecção do manto, devido ao calor no interior da Terra, que permite o movimento das placas tectónicas e, por outro lado, essa libertação de calor possibilita a existência do geodínamo.
“Não tem havido um consenso entre os cientistas sobre quando se iniciou a tectónica de placas”, diz John Tarduno. “De qualquer forma, as nossas medições suportam outras anteriores em zircões antigos que apontam uma idade de 4400 milhões de anos.”
O campo magnético é de extrema importância para a Terra, pois protege-a da intensidade dos ventos solares, que, há 4400 milhões de anos, seria 100 vezes mais forte do hoje. Na ausência de um campo magnético, a vida na Terra ficaria comprometida. “Sem um campo magnético, teríamos a aterradora possibilidade de a atmosfera sofrer erosão e da água desaparecer do planeta”, sublinha John Tarduno.
Os cientistas acreditam poder ter existido um geodínamo em Marte aquando da formação do planeta, que se terá extinguido cerca de 4000 milhões de anos depois. A ausência de um geodínamo no planeta vermelho é apontada como a explicação para a sua atmosfera ser tão fina. “Essa pode ser também a principal razão para não existir vida em Marte”, frisa John Tarduno.
A descoberta agora feita pode assumir importância no estudo do desenvolvimento da atmosfera na Terra e do princípio da vida no planeta azul. Em declarações à agência Reuters, Rory Cottrel, geólogo da Universidade de Rochester envolvido no estudo, sublinha essa ideia: “O conhecimento do início do campo magnético ajudará a perceber como eram as condições de habitabilidade na Terra primitiva.”
fonte: Público