Investigadores a usar tecnologia de realidade virtual para visualizar o interior da Pirâmide de Gizé, no Egipto
Há um “grande espaço vazio” por detrás das paredes espessas da Grande Pirâmide de Gizé, no Egipto. A descoberta, anunciada esta quinta-feira, foi possível graças a um método de radiografia com recurso a raios cósmicos, que pode ajudar a desvendar como é que o monumento egípcio, com 4500 anos, foi construído.
Os raios cósmicos são partículas altamente energéticas, que atravessam o espaço em todas as direcções a uma velocidade muito próxima à da luz. Quando essas partículas interagem com as camadas mais altas da atmosfera, chocando com as moléculas que aí estão, isso origina uma chuva de partículas secundárias, que depois atinge a superfície da Terra. São os chamados muões, semelhantes aos electrões, mas com uma massa muito maior.
E foi através de uma tomografia de muões – que são capazes de penetrar milhares de metros de pedra sem serem completamente absorvidos – que os cientistas descobriram um espaço vazio nunca antes visto. Com cerca de 30 metros de comprimento, esse espaço está situado por cima da já conhecida Grande Galeria, que é um corredor que sobe até à Câmara do Rei. Além disso, tem um volume e altura semelhantes a esse corredor.
À esquerda, a Câmara do Rei e à sua direita o grande espaço vazio agora descoberto; por baixo, a Grande Galeria (corredor que conduz até à Câmara do Rei) e a Câmara da Rainha. SCANPYRAMIDS
A descoberta – a primeira desde o século XIX de um novo e importante espaço dentro desta pirâmide – foi realizada no âmbito de um projecto chamado ScanPyramids, que recorre a tecnologia não invasiva de obtenção de imagens para averiguar a estrutura interna das pirâmides do Antigo Egipto e procurar desvendar como foram construídas.
A Grande Pirâmide de Gizé foi construída – com blocos de pedra calcária e granito – durante o reinado do Faraó Quéops, e por isso também é conhecida como Pirâmide de Quéops. Com 139 metros de altura e 230 de comprimento, tem no seu interior pelo menos três câmaras – além da Câmara do Rei, a Câmara da Rainha e uma câmara subterrânea inacabada – e ainda o tal grande corredor. É a mais antiga e a maior das pirâmides egípcias. Mas ainda guarda muitos mistérios.
A Grande Galeria SCANPYRAMIDS
Em 2015, o físico Kunihiro Morishima, da Universidade de Nagóia (Japão) e a sua equipa, financiada pelo Governo do Egipto, instalou no interior da Câmara da Rainha (que fica por baixo da Câmara do Rei) detectores de muões. E o que aconteceu foi que as partículas se concentraram nas paredes da pirâmide e, sobretudo, nos espaços vazios. Confirmou-se assim a existência das três câmaras já conhecidas, mas também de um quarto espaço vazio e que até agora permanecia em segredo.
As películas de emulsão nuclear a serem instaladas no interior da Câmara da Rainha SCANPYRAMIDS
“Instalámos primeiro películas de emulsão nuclear, desenvolvidas pela Universidade de Nagóia, porque são mais compactas e não requerem energia eléctrica”, afirmam os investigadores no artigo científico, publicado na revista Nature. Aquelas películas fotográficas especiais detectam trajectórias dos muões em imagens tridimensionais.
Os hodoscópios de cintilição a serem instalados na Câmara da Rainha SCANPYRAMIDS
Foram ainda usadas outras duas tecnologias de detecção de muões (hodoscópios de cintilação e detectores de gás) para confirmar os resultados, por investigadores da Organização de Investigação do Acelerador de Altas Energias do Japão (KEK) e pela Comissão de Energias Alternativas e Energia Atómica de França (CEA), que também fazem parte da equipa.
Os detectores de muões a serem instalados em frente à face norte da pirâmide SCANPYRAMIDS
Segundo o artigo, o “espaço vazio” encontra-se entre 40 a 50 metros do chão da Câmara da Rainha. “Ainda há muitas hipóteses arquitectónicas a considerar. O grande espaço vazio pode ter uma ou mais estruturas adjacentes, e pode estar inclinado ou na horizontal.”
Embora ainda existam muitas perguntas por responder, para já os investigadores têm uma certeza: “Esta descoberta mostra como a física de partículas moderna pode ajudar a desvendar a herança arqueológica mundial.”
fonte: Público