Os mosaicos da Casa dos Repuxos (protegidos por uma estrutura metálica) são o que mais cativa os visitantes de ConímbrigaFotografia © Fernando Fontes / Global Imagens
A história das ruínas romanas mais famosas do país confunde-se com a dos quatro diretores que marcaram a sua expansão e evolução desde a abertura ao público, em 1930. O último é Virgílio Hipólito Correia, o homem que quer retomar as escavações e expandir o sítio arqueológico mais três ou quatro hectares até 2020.
Esta podia ser uma história traumática: a da criança que queria sempre visitar as ruínas de Conímbriga mas a quem o pai, "que não tinha paciência para ser arrastado para sítios arqueológicos", nunca fazia a vontade ("arranjava sempre uma desculpa"). Mas não é. É antes a história de como essa criança, por obra do destino, se tornou no diretor do mais famoso sítio arqueológico romano do país e, agora, planeia fazê-lo crescer, com a compra e escavação de três ou quatro hectares, que deixarão os futuros visitantes à porta do anfiteatro que era o centro da antiga cidade. Virgílio Hipólito Correia é o narrador dessa epopeia, de olhos postos no futuro.
O projeto de ampliação e modernização do Museu Monográfico e das ruínas de Conímbriga (concelho de Condeixa-a-Nova, a 15 quilómetros de Coimbra) - um investimento previsto de três milhões de euros, que vai ser candidato a fundos comunitários, ao abrigo do programa Portugal 2020 - pode ser o momento mais emblemático da vigência de Virgílio Hipólito Correia à frente de Conímbriga (já lá vamos). No entanto, a história da antiga cidade romana (habitada, pelo menos, entre os séculos IX a.C. e VIII ou IX d.C) é rica em marcos, mesmo que o sítio arqueológico, aberto ao público desde 1930 e com museu associado desde 1962, só tenha conhecido quatro dirigentes máximos ao longo de 85 anos de história. Virgílio Correia (primeiro encarregado das escavações), Bairrão Oleiro (primeiro diretor do museu) e Adília Alarcão (quem mais tempo permaneceu no cargo, de 1967 a 1999) antecederam o atual diretor.
Virgílio Hipólito Correia, de 52 anos, fintou a tal falta de paciência do pai para visitar ruínas, a meio das viagens entre Évora (onde o dirigente nasceu) e o Porto (onde tinha família e tirou o curso de arqueologia). E depois de anos como professor do ensino secundário e técnico do Serviço Regional de Arqueologia do Sul (onde se especializara na idade do ferro) chegou a Conímbriga, "de forma surpreendente, até". Lá trabalhou como arqueólogo desde 1990, e diretor desde 1999. "Sou franco: então Conímbriga não estava nos planos. Aceitei o lugar, porque a outra opção era voltar a dar aulas numa escola secundária, algo que não me apetecia. Mas, depois, o lugar capturou--me. Apercebi-me do potencial de coisas que ainda havia para estudar. Sabe-se imenso, mas cada coisa que se descobre lança mais duas ou três perguntas. Temos um potencial excecional", descreve.
A exploração desse potencial é o futuro. E o caminho é a compra dos terrenos da antiga cidade romana (que ainda estão na mão de particulares) e o retomar das escavações. "Quando se fizeram as grandes expropriações dos anos 40 não havia a noção correta: pensaram que estavam a comprar Conímbriga inteira, mas ficou uma parte de fora. O diagnóstico dessa situação foi feito em 1953 mas 60 anos depois ainda andamos a tentar resolver o assunto", recorda o diretor. "O Estado é dono de 16 hectares, mas estamos a comprar mais três ou quatro. Não parece uma modificação extraordinária, mas do ponto de vista qualitativo é algo muito significativo. A expansão será na zona para norte da Casa dos Repuxos, em direção à aldeia [Condeixa-a-Velha, vizinha das ruínas] e ao Anfiteatro, que está no meio da aldeia", sublinha Virgílio Hipólito.
Cinco anos para nascer algo novo
Virgílio Hipólito dirige o Museu Monográfico (que gere as ruínas) desde 1999 Fotografia © Fernando Fontes / Global Imagens
O projeto, "desenhado para funcionar dentro do horizonte 2020 e estar completo dentro de cinco anos", inclui ainda a criação de um circuito (limitado, mas que compreenda todas as ruínas) que permita o acesso a pessoas com mobilidade reduzida. Mas não é só isso que fará dele um salto tão impactante como as grandes escavações dos anos 60 ou a renovação do museu nos anos 80. A expansão, até aos vestígios do anfiteatro romano de Condeixa-a-Velha, permitirá o surgimento de um novo perímetro de visitas: da aldeia vizinha até ao museu, ou vice-versa. "A relação do público com as ruínas poderá ser completamente diferente", frisa o diretor. "A zona que está para ser adquirida, como o anfiteatro, é onde os monumentos estão mais bem conservados. Temos abóbadas romanas completas", aponta o arqueólogo.
O que faz Conímbriga algo único
A igreja vizinha de Condeixa-a-Velha vai marcando o passar das horas, entre oliveiras e o chilrear dos pássaros Fotografia © Fernando Fontes / Global Imagens
A própria Casa dos Repuxos, ex-líbris do sítio arqueológico, só está parcialmente escavada e poderá ganhar uma nova vida com a expansão para norte. Mas, agora, já são os mosaicos e os jogos de água ajardinados no centro dos peristilos (corredores de colunas) desta sumptuosa casa aristocrática do século II d.C. que mais cativam os visitantes de Conímbriga. Por ano, cerca de 100 mil pessoas caminham, por entre oliveiras e o chilrear dos pássaros, à descoberta das dezenas de edifícios de que há vestígios. É gente como David Richard, francês despachado, de máquina fotográfica à tiracolo, que se mostra impressionado "com o estado de conservação" do espaço.
Isso é tanto mérito de quem lá trabalhou ao longo do último século quanto fruto do acaso geográfico, que ali gizou um local quase único na Europa. "Conímbriga foi abandonada na idade média, o que é algo raro. Por isso pode ser estudada, escavada e visitada, enquanto a maior parte das antigas cidades romanas estão debaixo das nossas cidades. Depois, a proximidade de um centro universitário, como Coimbra, onde sempre houve muitos investigadores interessados, também foi decisiva", descreve Virgílio Hipólito Correia.
Além disso, há outra característica única: o envolvimento paisagístico. "Ignorando eucaliptos e postes de alta tensão, a paisagem é completamente romana, até nos aspetos da humanização da paisagem, como o olival e a vinha, as terras de pão, os rebanhos de cabras e de ovelhas. É lindíssimo ver como isso se mantém nesta região. Conímbriga transplantada para outro lugar qualquer, onde o enquadramento não fosse este, não seria a mesma coisa", assegura o diretor.
Uma viagem no tempo
Assim, com um mínimo de abstração, é fácil viajar no tempo: o silêncio impera, apenas interrompido pelo bater das horas, na igreja de Condeixa-a-Velha, ou pela vozearia ocasional de grupos ou de famílias com crianças. E quem está de regresso, em passo lento, faz a comparação com visitas passadas. "Já cá não vínhamos há 30 e tal anos. Tínhamos vindo quando os nossos filhos eram pequenos e agora aproveitámos para voltar. Sempre que podemos visitamos estes locais...", conta Vítor Valentim, descrevendo o que mudou: "Nota-se evolução e mais edifícios visíveis mas os pormenores de comunicação com os visitantes, como guias e painéis informativos, podiam estar melhor."
A mulher, Conceição Bastos, demora-se no Museu Monográfico. "Está tudo muito bem tratado e identificado", elogia. Por lá, estendido por quatro salas, está aquilo que foi resgatado nas escavações realizadas desde 1898: esculturas, bustos (lembranças do fórum da cidade), mosaicos e objetos ligados à religião e aos mais variados aspetos da vida quotidiana (de louças e adornos pessoais a moedas e equipamentos militares).
O museu foi o que mais contribuiu para aproximar Conímbriga dos turistas e massificar as visitas. Sonhado por Virgílio Correia (o homónimo do atual diretor), só foi concretizado sob a direção de Bairrão Oleiro. A espera pelos meios necessários foi longa, tal como a espera pelas expropriações pedidas por Bairrão Oleiro há 60 anos. Mas a evolução na continuidade, garantida pelo facto de cada diretor ter trabalhado com o seu antecessor, vai ajudando os projetos a chegar a bom porto. "Há sempre possibilidade de fazer algo comum e continuo", lembra o dirigente.
Agora, este Virgílio que os mais distraídos chegaram a confundir com o homónimo dos anos 30 ("uma vez um senhor disse-me que julgava que eu tinha muito mais idade"), vai tentando continuar a epopeia dos antecessores. O dia-a--dia é "agitado". "Temos museu, atividades de comunicação, projetos de investigação própria (e colaboração com investigadores externos), laboratório e oficina de conservação e restauro de mosaicos (o único centro de intervenção a funcionar no país). Por mais que queira delegar, há muita coisa que tenho de fazer", contextualiza.
Ainda assim, Virgílio Hipólito Correia vai construindo o seu legado. "Já fico contente se disserem que não estraguei. Mas orgulho-me da abertura ao público de tudo o que está escavado e do relançamento da investigação arqueológica. Se concretizar o projeto 2020, será a cerejinha em cima do bolo, o culminar da adaptação das ruínas de Conímbriga a uma fase completamente nova, para deixarmos de ser um sítio arqueológico perdido numa zona rural..." E, provavelmente, os pais deixarão de ter desculpas para não parar lá e fazer a vontade aos filhos.
Os jovens continuam a aparecer e querem saber mais
Conímbriga é velha (ou não tivesse sido habitada desde o século IX a.C.) mas não está fora de moda. As visitas escolares diminuíram, mas os jovens continuam a aparecer e a querer perceber tudo o que há para descobrir. E a direção do Museu Monográfico tenta cativá-los com novas propostas.
A Conímbriga nunca faltou atenção de público de todas as idades. "Há um público muito novo que, de alguma forma, nos salva dos problemas da perda de público escolar (que agora tem muito mais oferta, em todo o país, para fazer visitas de estudos). Os jovens que já não vêm cá em visitas organizadas pelas escolas procuram manter-se informados por outros meios e visitam-nos na mesma. Estamos a trabalhar ativamente para mantê-los interessados", explica o diretor, Virgílio Hipólito Correia.
Para chamar novos públicos, o Museu Monográfico de Conímbriga (tecnicamente, a entidade que gere as ruínas) desdobra-se em iniciativas. "Já tivemos concertos de música pop-rock, ópera, recriações históricas, espetáculos de bailado, teatro clássico... estas atividades atraem tipos muito diferentes de pessoas e ajudam à divulgação da nossa atividade científica corrente, que pode e deve ser explicada às pessoas de forma acessível", refere Virgílio Hipólito Correia.
Assim, os jovens que visitam as ruínas mostram-se cada vez mais bem documentados. "Querem entender como era o centro monumental da cidade: do fórum, onde decorriam as cerimónias mais importantes, às grandes termas, onde toda a gente ia quase todos os dias, e ao anfiteatro, que era utilizado muito raramente, mas que recebia quatro ou cinco mil pessoas ao mesmo tempo."
E Conímbriga também não esquece os jovens estudantes de Arqueologia. A realização de escavações mais regulares, que possam contar com a sua participação, está entre os planos do diretor para o futuro. "Estão a ser criadas condições para isso", conclui.